Grupo Commedia dell’arte

Uma Semana Dentro da Commedia dell’Arte

Por Lydia Guerreiro

Em julho, mergulhei em um território onde o corpo fala antes da boca e onde cada gesto carrega séculos de memória: a Commedia dell’arte. A imersão aconteceu no Teatro da Praça, na Zona Norte de São Paulo, sob a condução precisa e generosa de Daniel Granieri — ator, pesquisador e um verdadeiro guardião dessa linguagem ancestral.

Foram sete dias que pareciam suspensos no tempo. A cada manhã, entrávamos no estúdio como quem abre uma porta secreta, deixando do lado de fora nossas expressões habituais, nossas biografias e até nossas hesitações. Ali dentro, éramos moldados pelas máscaras, ensinados por elas. Há algo de profundamente transformador em permitir que o rosto desapareça para que outra presença emerja: mais arquetípica, mais crua, quase selvagem.

Os personagens: velhos, servos e enamorados

Experimentamos os principais tipos da tradição — os velhos pesados e cômicos, os zanni incansáveis, os enamorados que se movem como se pisassem num mundo que só existe para eles. A cada personagem correspondia um modo de caminhar, um ritmo respiratório, um centro de peso. Era como se o corpo se reeducasse: descobríamos músculos adormecidos, e também lugares internos que nunca se tinham revelado.

Máscaras que revelam

Usar a máscara é um acontecimento.
Ela não esconde: paradoxalmente, expõe.
Algo nela nos obriga a abandonar a psicologia, os porquês, e a entrar no estado puro do gesto. Com Granieri aprendemos a respeitar a máscara como uma entidade — ela é precisa, exigente, e não tolera meios-termos. Quando finalmente nos alinhamos a ela, nasce uma liberdade rara: a liberdade de ser outro para reencontrar algo de nós mesmos.

O corpo como narrativa

Durante a imersão, percebi que a Commedia é uma escrita corporal — uma forma de literatura viva. Cada estereótipo, cada andamento, cada exagero não é caricatura, mas linguagem. Um vocabulário que atravessou gerações e que, mesmo assim, permanece surpreendentemente atual.
É impossível se aproximar desses personagens sem, ao mesmo tempo, refletir sobre os papéis que desempenhamos no cotidiano: aquilo que repetimos sem pensar, as máscaras sociais que usamos sem perceber.

O que ficou

Ao final da semana, voltei para casa com o corpo mais desperto e a percepção mais fina. A Commedia dell’arte não é apenas técnica; é também um espelho antigo que devolve perguntas contemporâneas.
Saí de lá tocada pela potência da tradição e pela delicadeza do encontro — entre artistas, entre corpos, entre histórias.

Agradeço à orientação cuidadosa de Daniel Granieri e ao espaço acolhedor do Teatro da Praça. Foi mais que uma imersão: foi um rito. Um daqueles que deixam um rastro e continuam se desenrolando dentro da gente, mesmo muito depois que as luzes do teatro se apagam.
















































































 

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